Músicas à Moda Velha: Entrevista Evaldina
- La Luna Cia de teatro
- 28 de jun.
- 3 min de leitura
Atualizado: 29 de jun.
Relato sobre a entrevista de Dona Evaldina
Por Emeli Barossi
No dia 10/04/2025, fomos até o bairro Moura atrás de histórias e relatos de algumas famílias que tinham envolvimento com a tradição do Terno de Reis aqui em Canelinha. Nesse dia, chegamos até a casa da dona Evaldina, uma senhora que carrega firmeza nas suas palavras. Ela nos recebeu, de início um pouco desconfiada, nos convidou para entrar na cozinha da sua casa. Sentamos em uma mesa bem grande (essas mesas de almoço de domingo) e começamos a conversar. Aos poucos, dona Evaldina foi se abrindo, contando suas histórias com o Terno de Reis, dividindo com a gente suas memórias de criança, quando recebia essa manifestação na sua casa, e também as memórias de quando ela integrava o grupo de Terno de Reis da sua família. Foi uma conversa gostosa, que fez perceber que, naquela casa, o Terno de Reis era de fato uma brincadeira, um costume da época de natal, que divertia adultos e crianças. Conforme dona Evaldina nos contou, o Terno e o Boi de Mamão andavam juntos. Ela nos falou sobre a magia e a surpresa de receber no meio da noite, pessoas vestidas de um jeito diferente, cantando e brincando. Dentre as figuras dessa brincadeira, a que mais parecia lhe chamar a atenção era o Mascarado, um personagem que usava uma pano na cabeça, roupas bem largas, luvas e carregava um porrete na mão. Essa figura causava muito medo nas crianças e divertia os adultos. Além do Mascarado, também tinha o boi, o cavalinho, a bernunça e os três reis que dançavam em roda na brincadeira do boi que acontecia dentro das casas das pessoas.
Os tios por parte de mãe da dona Evaldina eram bem ligados à música e sempre se reuniam para fazer o Terno com amigos da vizinhança. Essa tradição passou de geração para geração. Quando perguntamos para ela como eram os ternos de antigamente, ela não conseguia se lembrar, nos disse que cada pessoa sabia um pedaço do terno e quando o povo se juntava para ensaiar juntos, eles iam lembrando a ordem dos versos e as letras de cada terno, como um grande quebra-cabeça. Essas letras não foram registradas e ela comenta que o terno que seus tios cantavam era diferente dos que ela costumava cantar. Nossa amiga comentou que ultimamente está cada vez mais difícil conseguir juntar o pessoal para brincar, ensaiar e sair nas casas, para ela essa tradição vai mudando que hoje já não é mais como antes.
Nós descobrimos que dona Evaldina tem um primo que é um ótimo versador, tira os versos todos da cabeça, no improviso. Mas desde que a esposa dele faleceu, ele não cantava mais. Por coincidência, esse primo mora próximo à casa da dona Evaldina e ela nos levou até a casa dele, na esperança de conseguir relembrar alguns versos com a gente. Infelizmente ele não estava em casa.
No caminho até a casa dele fomos conversando, dona Evaldina nos falou sobre seus netos, sobre alegria e também dores e marcas da vida. Com palavras sábias, desabafou seu ponto de vista sobre o mundo, um mundo que parece perdido, uma
humanidade que está mudando e esquecendo de coisas importantes. Estamos distantes uns dos outros e da natureza, falta tempo para encontro para se construir relação, falta a sabedoria de quem sabe da onde cada coisa é feita. Na casa dessa senhora não tem wifi e ela não tem celular. Naquela tarde vimos um outro tempo, um outro jeito de estar no mundo.
Quando dona Evaldina falava do Terno de Reis e do Boi de Mamão, evocava uma saudade que nos dizia que as pessoas precisavam de coisas assim, de uma brincadeira que pudesse levar alegria e coisas boas, que tivesse a força de provocar o encontro, a troca entre as pessoas. O mundo precisa disso, dizia dona Evaldina.
Vamos celebrar a vida, reatar o laço e reaprender a brincar com essa gente que sabe demais dessa vida.










As pessoas naquela época eram felizes de um jeito diferente. Me lembro de acordar de madrugada com um monte de gente na minha casa, na cozinha cantando e comendo bolinho de arroz feito na hora pela minha mãe ( Evaldina ). A cada casa que iam passando ia juntando mais gente ao grupo. É uma pena que essa tradição esteja se apagando.